O GUARDADOR DE REBANHOS - XXVIII
XXVIII
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos
doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que
as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas as flores, se sentissem, não
eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram
cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao
luar,
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores
e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das
flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus
falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só
pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus
versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza
por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.
Fernando Pessoa
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