O GUARDADOR DE REBANHOS - XXVI
XXVI
Às vezes, em dias de luz perfeita e
exacta,
Em que as cousas têm toda a
realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às cousas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer cousa
que não existe
Que eu dou às cousas em troca do
agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das cousas:
são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de
viver
Invisíveis, vêm ter comigo as
mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente
existem.
Que difícil ser próprio e não ver
senão o visível!
Fernando Pessoa - 13-03-1914
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