LAMENTO DE UM PAI DE FAMÍLIA


Como pode um homem carregado de filhos e sem fortuna alguma, ser poeta neste tempo de filhos só de puta ou só de putas sem filhos? Neste espernegar de canalhas, como pode ser? Antes ser gigolô para machos e ou fêmeas, ser pederasta profissional que optou pelo riso enternecido dos virtuosos que se revêm nele e o dececionado dos polícias que com ele não fazem chantagem porque não vale a pena. Antes ser denunciante de amigos e inimigos para ganhar a estima dos poderosos ou dos partidos políticos que nos chamarão seus génios. Antes ser corneador de maridos mansos com as mulheres deles fáceis. Antes reunir conferências de S. Vicente de Paulo para roçar o cu da virtude pelas distrações das sacristias escuras e ter o prazer de acudir com camisolinhas aos pobres entre os quais às vezes aparece um, ou uma que dá gosto ver assim tão pobre, por se lhe verem os pêlos, pelos rasgões da camisa ou algo de mais impressionante para o subconsciente que sempre está nos olhos que docemente se comovem com a miséria. Antes ir para as guerras da civilização cristã ou da outra, matar os inimigos da conta corrente e das fábricas de celofânicas bombas. Antes ser militar. Ou marafona de circo. Ou santo. Ou demónio doméstico torcendo as orelhas dos filhos à falta de torcê-los aos filhos da puta. Ou gato. Ou cão. Ou piolho: Antes correr os riscos do DDT, das carroças que os municípios têm para os cães suspeitos de raivosos como todos os cães que se vê não lamberem as partes das donas ou mesmo dos donos. Antes tudo isso que assistir a tudo, sofrer de tudo e tudo, e ainda por cima ter de aturar o amor paterno e os sorrisos displicentes dos homens de juízo que deram pílulas às esposas, ou as mandaram à parteira secreta e elas quiseram ir. Antes morrer. Mas que adianta morrer? Quem nos garante que a morte não existe só para os filhos da puta? Quem me garante que não lá, assistindo a tudo, e sem sequer poder chamar-lhes filhos da puta, com o devido respeito a essas senhoras que precisamente se distinguem das outras por não terem filhos nem desses nem dos outros. Mas mesmo isto não consola nada, a quantidade, a variedade gastaram a força dos insultos. E não se pode passar a vida, esta miséria que me dão e querem dar a meus filhos, a chamar nomes feios a sujeitos mais feios do que os nomes. Como pode um homem sequer estar vivo no meio disto sem que o matem, e o pior é que o matam sim e sem saberem primeiro quem, para não se inquietarem com o problema de terem morto por engano um irmão, desfalcando assim a família humana de algum ornamento que a tornava menos humana e mais puta.

                                                                                            Jorge de Sena

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