O OBSERVADOR NO ESCRITÓRIO
Por que se escrevem diários? Por que notadamente os escritores gostam de escrevê-los, dissipando o tempo que deveria ser consagrado a viver ou a produzir escritos públicos? Admite-se que o político e, de modo geral, o homem de ação se empenhem em manter registro continuado de fatos e conversações que possam justificá-los no futuro, se tiverem em conta o julgamento histórico. Neste caso, o diário valerá como documento de arquivo. Mas o escritor não precisa justificar-se, a não ser pela obra. Ninguém o obriga à anotação íntima, a esse mirar-se no espelho do presente. Então, se escreve o diário, há de ser por força de motivação psicológica obscura, inerente à condição de escritor, alheia à noção de utilidade profissional. Não pensei nisto, anos a fio, ao encher cadernos com anotações sobre o meu dia-a-dia, que jamais pretendi viessem a ter importância documental, como não têm. O impulso de escrever para mim mesmo, em caráter autoconfessional, ditou os feixes de palavras que fui acumulando e que um dia... destruí. Mas a própria destruição tem caprichos. Do conjunto sacrificado salvaram-se algumas páginas que hoje reúno em livro,depois de tê-las, tia maior parte, colocado em minha coluna no Caderno B do Jornal do Brasil. Animou-me a ingênua presunção de que possam dar ao leitor um reflexo do tempo vivido de 1943 a 1977, menos por mim do que pelas pessoas em volta, fazendo lembrar coisas literárias e políticas daquele Brasil sacudido por ventos contrários. Fui, talvez, observador no escritório.
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