A ÚNICA VEZ
Meu pai morreu há quarenta e quatro anos, no dia 30 de outubro de 1950. Estava beirando os sessenta. Todas as manhãs, ia para o trabalho num Ford cupé 1946, verde escuro, de duas portas, placa 22152. Nosso apartamento, em São Cristóvão, não tinha garagem e o carro dormia na rua. Meu pai se preocupava com a pintura: o sereno desbotava o verde escuro etc.
Em menos de um minuto, surgiu na minha frente, entre os automóveis em alta velocidade, um Ford cupê de duas portas, verde escuro, desbotado, placa 22152. Assustado, alcancei o carro e dei de cara com meu pai ao volante, a mesma nobreza do perfil que eu invejava, os cabelos brancos, sem paletó, o colarinho arrematado pelo nó impecável da gravata e um cigarro com ponta de cortiça entre os lábios. Durante um segundo ele se virou e olhou para mim, sem me ver, com aquele olhar indiferente com que não vemos os desconhecidos. Depois, acelerou e tomou a direção da Quinta da Boa Vista, como se estivesse voltando para casa, há quarenta e quatro anos.
Mas isso tudo ficou lá.
Ontem, às seis da tarde, quando eu voltava para a Tijuca, passei pela Praça da Bandeira e me lembrei de meu pai. Ele trabalhava numa fábrica de chapéus, logo depois do Viaduto dos Marinheiros. Imaginei que se ainda estivesse vivo e se o Ford não existisse mais, eu poderia lhe oferecer uma carona. Nesse momento, talvez movido pela saudade, gritei seu nome, do modo italianado como minha avó o chamava: - Marino Francesco!
Em menos de um minuto, surgiu na minha frente, entre os automóveis em alta velocidade, um Ford cupê de duas portas, verde escuro, desbotado, placa 22152. Assustado, alcancei o carro e dei de cara com meu pai ao volante, a mesma nobreza do perfil que eu invejava, os cabelos brancos, sem paletó, o colarinho arrematado pelo nó impecável da gravata e um cigarro com ponta de cortiça entre os lábios. Durante um segundo ele se virou e olhou para mim, sem me ver, com aquele olhar indiferente com que não vemos os desconhecidos. Depois, acelerou e tomou a direção da Quinta da Boa Vista, como se estivesse voltando para casa, há quarenta e quatro anos.
Foi a única vez que eu vi meu pai.
Victor Giudice
Victor Giudice
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